sábado, 4 de julho de 2009

Twitting

Por: Prof. Gian

- Gian, entra no Twitter ?
- Não.
- Ah, entra vai ?
- Nãããããooooo...
- Eeeeeeeeentra...
- Tá booooooooooom eu entro !

Elas vêm como os bárbaros, as novas tecnologias. Seja em ondas furiosas, seja infiltrando-se vagarosamente nas fronteiras do cotidiano. Quando damos conta, fomos ultrapassados por elas, perdemos o sentido das coisas. De repente, surgiu um novo mundo, e dele nos vemos inapelavelmente excluídos.

Para evitar o mesmo destino de um Imperador romano (em que pese o discreto charme da decadência), vou-me envolvendo com novas tecnologias ou modismos. Se possível, transformo-os em meu benefício. Do orcúte, tirei a possibilidade de inventar inúmeras identidades, quase todas rigorosamente falsas. Do msn, a possibilidade de quase aposentar o telefone, em que pese minha lista reduzidíssima. Das hoje inevitáveis máquinas fotográficas em celulares, faço o registro de todos os botecos que freqüento (combinando a baixa resolução com a baixa gastronomia). Do twitter... oras, o que me traz o twitter ?

Inicialmente, o troço me pareceu instigante: informar ao universo o que estou fazendo a cada momento do dia. Para o historiador, o registro do cotidiano, mesmo no tempo presente, é uma fonte inesgotável de informações. Para o professor, uma forma de conhecer o universo dos alunos, tornando possível uma maior aproximação através da linguagem, referências, etc... Para o filósofo, a abertura de um campo de investigação existencial. Assim empolgado, entro na rede, supero o asco provocado pelo vocabulário pegajoso (“vc precisa estar logado para receber o primeiro follow”) e sigo em frente. Mas tudo isso para descobrir que, inicialmente, devo deixar de lado por um instante o historiador-professor-filósofo e por em cena o autor do twitter, ou seja, uma pessoa que tem uma vida, e a disposição de divulgá-la.

Aí começam os problemas. Subitamente, percebo que minha vida não tem nada de glamurosa. Um retrato fiel do meu dia (que jamais ousei publicar no twitter), seria algo absolutamente enfadonho:

06h00: acordar
06h26: café da manhã
08h13: em aula... etc.

Claro, sei que posso tentar fazer disso uma Odisséia:

06h00: acordo com os primeiros albores de uma manhã de outono.
06h26: o bravo cearense Agenor me serve mais um café da manhã na padoca.
08h13: revejo os amigos e me entrego ao prazer do trabalho... etc.


Soaria falso. Deixando de lado o registro cotidiano, pensei em usar o twitter para divulgar os insights brilhantes que tenho ao longo do dia, mas, lamento dizer, eles são bem poucos, nem tão brilhantes e sequer diários. Mais tarde, tentei usar o twitter para compartilhar gostos musicais, divulgar as músicas que aprecio. Assim,

10h56: Ouvindo Abertura Leonora nº3, Op.72a, de Beethoven
14h20: Ouvindo: “Belle nuit, ô nuit d’amour” (a ária "Barcarola" no 4° ato da ópera Les Contes d’Hoffmann, de Jacques Offenbach).

Pior, conseguiu soar mais falso ainda. Porém, sei que o twitter das pessoas mais célebres ou que viveram os momentos mais vibrantes da História também seriam enfadonhos. Luís XIV, em uma entrada rápida no seu diário, fez um comentário digno de twitter:

14 de julho, 1789: Saí para caçar à tarde. No mais, dia normal.

Deliro, pensando em como seria entediante o twitter de Nietzsche:

9h18: café da manhã na pensão em Sils-Maria
9h43: pensando
11h01: passeio à beira do lago
13h15: pensando mais um pouco
14h32: almoço seguido de sesta
16h41: pensando de novo
16h53: dor de cabeça
18h09: happy hour com Lou Salomé
20h46: pensar até dormir
.
Isso quando a tecnologia não vira um fim em si mesmo:
.
8h15: checando email
9h14: atualizando blog
9h45: vendo o orkut
10h03: checando twitter
10h47: checando G-mail
11h15: usando bluetooth
11h36: atualizando facebook
12h32: checando twitter
13h32: vendo o myspace
14h01: falando no skype
14h31: consultando o blackberry
14h44: checando o twitter

No fundo, o twitter satisfaz nossa ânsia por publicidade: queremos ser públicos, queremos ser acompanhados, queremos ter platéia (no horizonte, há um mesmo desejo: o que queremos mesmo é ser amados). Sei que não sou artista de cinema, astro da música ou jogador de futebol, então eu entro no twitter. E, ao entrar, descubro que as coisas mais bobas da minha vida podem ser interessantes, simplesmente porque agora são públicas.

Participamos do twitter pelo mesmo motivo que assistimos Big Brother (“assistimos” quem, cara pálida ?), ou vemos novela. Sabemos que é meio bobo, mas o twitter possibilita o jogo da mimese, da comparação, seja através da identificação ou da negação. Será que passamos o tempo todo nos colocando nas mesmas situações vividas pelos membros do twitter, assim como comparamos nossa vida com a dos personagens da novela ou do Big Brother ? (ué, “personagens” do Big Brother ? Mas eles não são pessoas reais ?).

Talvez o twitter, por mais imaterial que seja, nos permita recuperar algum sentido para a realidade, algo que foi perdido em algum momento lá pelo século passado.

.....................

PS.: Pinçado em um twitter por aí: “Estranho como a gripe aviária, vaca louca e agora a pandemia do porco não atingem o mundo corporativo, onde a fauna e flora são completas”.

Em tempos de Tamandaré, o melhor professor de História. #fato

2 comentários:

Bryan- disse...

Demorei pra ler mas consegui.haha.
''E, ao entrar, descubro que as coisas mais bobas da minha vida podem ser interessantes, simplesmente porque agora são públicas.'' isso me lembrou um filme - O Show de Truman'.
Mostrar as coisas que fazemos em público é legal.O twitter é legal.
Apenas se colocarmos as coisas boas ou que parecem ser agradáveis. E se colocassemos algo errado que fazemos, seria legal os outros saberem? haha acho que não né.

ahk disse...

ioaheoiaheoaiea...
nem li porque já tinha lido.
aieohaeoiaheoia...

mas nossa...muito bom xD~~
Gian xD~~

abraço! aioheaoiehaoeia